Dúvidas sobre o puerpério sempre tive muitas, mas mesmo antes
de engravidar nunca tive incertezas sobre amamentação. Eu iria amamentar de
qualquer forma. O vínculo é o que me encanta. Poder fornecer esse alimento, que
não apenas nutre, mas que transmite calor, aconchego, acolhimento, proteção....
É um momento em que me concentro nela, vejo seu olhar, existe muita
cumplicidade, estou ali pra ela, me doando a ela literalmente. E assim foi,
desde a primeira mamada, pegou naturalmente, como se sempre soubesse que aquilo
lhe pertencia.
Até a Mallu completar 1 mês eu achava que toda mãe podia
amamentar e que se não o fizesse era por ter desistido cedo demais. Até que
quando completou 1 mês e eu fui fazer o (maldito) teste do olhinho e
conversei com outra mãe muito empaticamente, vi lágrimas em seus olhos e ali
descobri que amamentar depende de muitos fatores: físicos, sociais, emocionais
e etc. Pouco (ou nada) se fala sobre amamentação no pré-natal e após o
nascimento quem faz essa primeira apresentação, ainda na maternidade, geralmente
é uma enfermeira. Foram muitos os
relatos que escutei sobre como esse primeiro momento foi permeado com
impaciência e até estupidez. Depois, durante o decorrer dos meses, o que mais
se escuta dos pediatras são orientações contrárias à OMS, ou seja, eu compreendo porquê muitas vezes amamentar seja tão complicado.
A Mallu está com 1 ano e 10 meses e seja onde for que ela solicite, eu dou de mamar a ela. Dois episódio
aconteceram na última semana, coincidentemente numa quarta e quinta feira
subseqüentes, o que me fizeram refletir muito sobre essa escolha de amamentar após os 6 meses.
Episódio 1
Na primeira consulta
com o novo (ex)pediatra haviam vários bichos de pelúcia sobre a mesa, a Mallu estava brincando e então se virou
para mim pediu o “Tetê” e logo dei à ela, ao que o pediatra meio indignado
falou apontando cada bichinho de pelúcia.
- O hipopotamozinho quando para de mamar o leite da mãe, mama
qual outro tipo de leite.
Eu não entendi muito bem essa primeira pergunta, mas
respondi:
-Nenhum.
- E o leãozinho depois que para de mamar o leite da leoa,
toma qual tipo de leite?
- Nenhum.
-E o elefantinho quando para de mamar o leite da mãe?
- Nenhum. (Já respondi meio irritada.)
- Pois é, e nenhum desses animais mama depois de 1 ano de
idade.
( E aos 3 anos já estão acasalando, pensei).
Resumindo, a conversa aconteceu num tom bem infantil e com
analogias bem ridículas (comparou o PN a andar a pé e a cesárea a andar de carro).
Disse ainda que a Mallu está abaixo do peso por minha culpa,
sendo que ela está entre as linhas estabelecidas da carteira de nascimento.
Fiquei pensando onde se formaram esses pediatras que comparam
a fisiologia humana a de (outro) animal, que estimulam a cesariana eletiva e o
desmame precoce. (a Nestlê agradece)
Episódio 2
Na palestra de Odontologia para bebês (obrigatória antes de
iniciar o tratamento) oferecida pelo plano de saúde. Logo no início da fala da
palestrante (Dentista Coordenadora Geral do projeto), a Mallu pediu pra mamar e
eu comecei a amamentar, tinha uma outra mãe amamentando na fileira atrás de
mim. A palestrante olhou sorrindo e nos perguntou:
- E aí Mamães, já levaram umas mordidas nos peitos?
Eu não respondi, mas creio que a mãe atrás de mim acenou com
a cabeça. Ao que a palestrante falou debochada:
- A natureza é sábiaaaaaaaaa. Tem dente na boca não tem mais
que mamar.
Eu fiquei muito perplexa, o pior é que durante toda a
palestra ela incentivou o desmame precoce:
- Essas mães que acham lindoooo essas atrizes da Globo
dizendo nas propagandas “Amamentei até 2 anos”, aí as mãezinhas querem fazer
igual.
- Vocês já experimentaram leite materno? É horrível, tem
gosto de nada com nada.
- Quem disse que depois de parar de amamentar seu filho precisa
de leite? Tem cálcio em muitos outros alimentos: Queijo, Iogurte, Requeijão...
(alguém avisa).
E outras falas que não lembro bem a exatidão. Fiquei muito
chocada, o local estava cheio de mães e pais e aquela era uma palestra
“orientativa”. Pensei em levantar a mão no final e falar que OMS não é atriz da
globo, defender a amamentação prolongada, mas todos começaram a se dispersar,
crianças a chorar e a fala não teria o impacto que eu gostaria.
É complicado entender essa nossa cultura de que um filhote
humano deve deixar de tomar o leite da mãe para começar a tomar o leite de
outro animal, como se de outro animal fosse melhor, mais forte e mais adequado.
Amamentar de forma prolongada é um exercício de paciência também, quantas vezes
ouvi: “essa moça ainda mama?!” Mas tenho certeza que passaria batido se ela
estivesse com uma mamadeira.
Junta-se a cultura popular do desmame precoce ao fato de que
médico e outros agentes da saúde (que são considerados Deuses), desencentivam a
amamentação prolongada e prescrevem
fórmulas caríssimas pra complementar esse leite “fraco” que não sustenta o
bebê. E mais e mais crianças apresentam alergias ao leite de vaca, e mais
crianças trocam o seio por fórmulas, essa orientação equivocada também é uma
forma de desempoderar a mãe. Algo que deveria ser tão natural, torna-se tão
desafiador.
Se não houver um movimento de ampla escala, que possa atingir
muitas mães, dificilmente esse quadro irá mudar. E por enquanto sigo ouvindo
ironias e ignorando olhares de reprovação, mas sigo amamentando enquanto eu e a Mallu
(únicas interessadas) decidirmos que é o momento de parar, amparadas pela certeza de que estamos no caminho certo.
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